quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Nazistas brasileiros implantaram projeto em SP


Muito boa matéria sobre Eugenia no Brasil. Recebi em Janeiro de 2013.

(Prof. Marcelus)

Nazistas brasileiros implantaram projeto de eugenia em São Paulo

Fonte: Jornal Opção, SP. Euler de França Belém, recebido do NIEM/UERJ

Cinquenta órfãos foram levados do Rio de Janeiro para fazenda do interior paulista com o objetivo de serem “educados” e “purificados” pelo trabalho. O mantra “anauê”, do integralismo, era obrigatório
Aloísio Silva, de 89 anos, passou pelo “programa” de “eugenia” dos nazistas brasileiros, em São Paulo, e
sobreviveu para contar a história de seu fracasso No brilhante “A Segunda Guerra Mundial” (Bertrand Editora, 1095 páginas, tradução de Fernanda Oliveira), o historiador inglês Antony Beevor escreve, citando o nazismo de Adolf Hitler: “Chegou mesmo a haver a ideia disparatada de mandar eslavos para o Brasil e de fazer regressar, no seu lugar, colonizadores alemães da província de Santa Catarina” (página 551; a edição, por ser portuguesa, usa “província” no lugar de Estado). Se a ideia de trocar alemães e descendentes por eslavos não deu certo, no Brasil uma família de fazendeiros, simpática ao nazismo, escravizou crianças e chegou a fazer tijolos e bandeiras com a suástica. A “Revista de História”, da Biblioteca Nacional, publica um texto, “Entre a suástica e a palmatória”, na qual a repórter Alice Melo conta que, “nos anos 30, órfãos eram escravizados” numa “fazenda” do “interior de São Paulo por simpatizantes do nazismo”. A partir da leitura da tese de doutorado do historiador Sidney Aguilar Filho, “Educação, Autoritarismo e Eugenia: Exploração do Trabalho e Violência à Infância Desamparada no Brasil (1930-1945)”, defendida na Unicamp, a jornalista localizou algumas das vítimas da família Rocha Miranda.

Osvaldo Rocha Miranda levou 50 garotos órfãos, “na maioria negros”, para a Fazenda Santa Albertina, no município de Paranapanema, no Estado de São Paulo. Seu objetivo era, seguindo o ideário eugênico, educar por intermédio do trabalho.

Benfeitor do orfanato masculino carioca Romão de Mattos Duarte, Osvaldo Miranda, relata Alice Melo, “escolhia as crianças pessoalmente e as retirava para trabalhar em suas terras sob um contrato de tutelato. O documento tinha o aval tanto do juiz de menores da época quanto da madre superiora da instituição. Os meninos que não fugiram ou morreram permaneceram na localidade entre 1933 e 1945. Nunca receberam salário e, por vezes, eram submetidos a castigos corporais. Trabalhavam na lavoura junto aos adultos. Não tinham nomes, eram chamados por números, e permaneciam sob vigilância constante de um capataz”. As crianças eram agredidas com frequência.

Os irmãos Rocha Miranda tinham simpatia extrema pelo nazismo e se consideravam adeptos de Hitler. Alice Melo conta que “Sérgio Rocha Miranda marcava com a suástica tijolos da estrutura de todas as construções da fazenda, o lombo do gado de exposição, a bandeira da propriedade, que era erguida no mastro ao lado das bandeiras do Estado de São Paulo e do Brasil. Já o irmão Osvaldo era membro da Câmara dos Quarenta da Ação Integralista Brasileira, com outros dois irmãos, também proprietários de terras na mesma região. Em sua fazenda, os órfãos, mesmo sem ter sapatos, recebiam uniforme de cor verde, engomado, contendo o sigma integralista na braçadeira e no chapéu, para ir a festas nos fins de semana na cocheira da Fazenda Cruzeiro do Sul”. As pessoas que moravam na Fazenda Santa Albertina eram obrigadas a se cumprimentarem gritando “Anauê”, a fórmula tropicalizada do “Heil, Hitler!”. Eram integralistas mesmo sem saber do que se tratava.

A revista localizou Aloísio Silva, de 89 anos, uma das vítimas das práticas eugênicas da família Rocha Miranda. Ele mora em Campininha, cidade para qual mudou a maioria dos órfãos que foram liberados pela família com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Na fazenda, Aloísio cuidava dos animais, principalmente dos cavalos, e capinava. Por ter sido retirado do Rio de Janeiro, em novembro de 1933, não pôde conhecer a mãe. O professor Sidney Aguilar, de posse dos arquivos do orfanato, revelou-lhe o nome: Maria Augusta. As certidões originais dos meninos podem ter sido queimadas pela família Rocha Miranda.

Mesmo com idade avançada, Aloísio mantém a lucidez e relata como eram escolhidos os meninos para o projeto eugênico (Alice Melo reproduz fielmente a linguagem oral): “A primeira leva de dez meninos do Orfanato Romão Duarte foi escolhida a dedo por Osvaldo Rocha Miranda, com auxílio de seu motorista, André: ‘Ele recuou nós tudo num canto, no quintal de brincar. Aí colocou nós empilhado ali e ficou no passadiço em cima, com um saco de bala. Aí, de lá de cima, o major Osvaldo Rocha Miranda jogava um punhado de bala. E nós ia catar que nem galinha catando milho. Nós não sabia de nada... Então ele ia olhando e apontava com uma vara: André, põe esse pra lá, põe esse pra cá. Ele apartou dez da nossa turma. Na segunda vez que ele jogou as balas, nós já foi catá tudo com medo, assombrado, olhando pra cima. Nós não sabia o que ia fazer com nós. Depois que ele fez a escolha dele, falou: André, solta os outros’.” Osvaldo Miranda selecionava “os mais rápidos, espertos e fortes” — no que, como nota Alice Melo, repetia os nazistas ao escolher os que iam morrer e os que iam sobreviver nos campos de concentração e, sobretudo, de extermínio.

Escolhidos, os garotos, com idade de 9 a 11 anos, eram isolados por oito dias e, em seguida, eram levados em carros da polícia à estação de trem Central do Brasil. Diziam aos meninos que teriam boa vida no campo. Na fazenda, tinham “tutor”, na verdade um capataz paraibano, “ruim ‘mermo’”, diz Aloísio. A escravidão havia sido abolida 45 anos antes e estava na Presidência da República Getúlio Vargas, o político que criou a legislação trabalhista que, em tese, “libertou” os trabalhadores dos grilhões do capitalismo tardio patropi. Mesmo assim, segundo o relato de Aloísio, a vara de marmelo e a palmatória com cinco furos eram utilizadas com frequência. “A mão da gente chegava a ‘sangrá’ que a gente nem conseguia ‘escreve’ na escola no dia seguinte”, diz Aloísio. “Sabe que... Nem triste, nem feliz. Para mim, aquele lugar nunca existiu”, afirma Aloízio.

Alice Melo escreve que “os 50 meninos foram em três levas para a Santa Albertina — entre 1933 e 1934. No primeiro ano, cursaram a quarta série na escola”. Mas tudo indica que os Rocha Miranda pensavam muito mais no trabalho como forma de educar, de criar uma geração dura, do que na educação escolar. Os meninos viviam num sistema similar ao da escravidão, pois “permaneciam isolados dos demais moradores e só podiam deixar a propriedade acompanhados pelo capataz”, e, no lugar do nome, tinham números. Eles eram vítimas de uma experiência cruel, mas não tinham informações suficientes para avaliar o que estava ocorrendo.

Uma das histórias mais surpreendentes é a de Argemiro dos Santos, o Marujo, que, órfão, foi retirado do Educandário Romão Duarte e levado para a fazenda da família Rocha Miranda. Descoberto no interior do Paraná, Marujo tem quase 90 anos. Os pesquisadores descobriram que ele ganhou o apelido de Marujo porque “serviu à Marinha durante a Segunda Guerra Mundial”. Trabalhava nas caldeiras de um navio. Ele foi engraxate, mendigo, jogador de futebol, boxeador e tocador de trompete e pistom.

Marujo, assinala Alice Melo, “nunca contou a história da infância para ninguém da família, que só soube do assunto há poucos meses, após a visita de Aguilar Filho e, recentemente, da ‘Revista de História’. Seu Argemiro fugiu da fazenda quando tinha 13 anos: um belo dia, esperou a noite cair e deu no pé. Ninguém mais soube dele. ‘Eu falei pra mim: vou cair é fora desse negócio! Fui andando, peguei um caminhão até a Estação Engenheiro Hermillo e fiquei lá escondido. Quando apareceu o trem, eu fui lá e, pum!, entrei e fui parar em Sorocaba. Aí fiquei ali engraxando. Era jornaleiro, dormia num banco na praça. Mas logo caí fora, pensando em jogar futebol. Eu era bom de bola. Fui pra São Paulo”. Ao saber que a Marinha procurava voluntários para participar da Segunda Guerra Mundial, Marujo diz ter pensado: “Aí eu falei: opa! Se é pra morrer, vou morrer na guerra! Morrer sendo engraxate?” Na Fazenda Santa Albertina, Argemiro “cuidava dos bichos e capinava”. Era castigado com palmatória e recorda-se “do uniforme com marcas do integralismo”. Em Foz do Iguaçu, Marujo se tornou jogador do ABC, time de futebol local.

A “Revista de História” entrevistou Diva, viúva de José Alves de Almeida, que, na fazenda, atendia pelo número Dois. Liberado pela família, com o fim da Segunda Guerra Mundial, Dois, retomando o nome de José Alves, optou por ficar na fazenda, como trabalhador assalariado. O herdeiro Renato Rocha Miranda não seguia os métodos da família e, segundo Diva, “era muito bom”. “Zé Pretinho”, como José Alves era chamado pela família e pela própria mulher, já faleceu.

O curioso é que José Alves não foi escolhido pelo fazendeiro Osvaldo Rocha Miranda. “Foi enviado junto com os outros porque ‘fez malcriação’ para as freiras. Era para ele ‘aprender a se comportar’”, anota Alice Melo. Sua irmã, Judith, chorou durante vários dias, pois não pôde acompanhá-la. Ela ficou na parte feminina do orfanato. Só se encontraram décadas depois.

Ao final do texto, Alice Melo conta uma história que merece desenvolvimento. Uma irmã de Diva, Alice, morava na Fazenda Retiro Feliz, “propriedade de veraneio dos alemães Arndt von Bohlen Krupp e Annelise von Bohlen Krupp. Arndt era um jovem da alta sociedade europeia, filho renegado de Alfried Krupp, um dos donos do conglomerado de empresas Krupp — conhecidas por produzirem armas de fogo utilizadas na Segunda Guerra. Coincidentemente, os Rocha Miranda tinham relações comerciais com essas empresas. Alfried, em 1948, foi condenado por exploração de mão de obra escrava na Alemanha.

Noutro texto, “Racismo à brasileira”, Sidney Aguilar Filho registra: “Na Constituição brasileira de 1934, em seu artigo 138, está escrito que ‘Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos da leis respectivas: b) estimular a educação eugênica’. No Brasil das décadas de 1930 a 1940, a ‘educação eugênica’ foi aplicada às crianças, em especial aos filhos da classe trabalhadora mais empobrecida, sobretudo nos termos da época, entre ‘órfãos e abandonados, pretos ou pardos, débeis ou atrasados’”.

Sidney Aguilar Filho diz que três ministros da Educação da Era Vargas, Francisco Campos, Belisário Penna e Gustavo Capanema, “defenderam abertamente concepções eugênicas”. Afrânio Peixoto, no livro “Noções de História da Educação”, de 1936, “defendeu a segregação de crianças e adolescentes ‘degenerados’ como forma de garantir a ‘saúde da Nação’”. O historiador relata que o termo eugenia, “boa geração”, foi criado, em 1883, pelo antropólogo inglês Francis Galton.

Três livros examinam a presença nazista no Brasil: “Nazismo Tropical”, de Ana Maria Dietrich; “Suástica Sobre o Brasil — A História da Espionagem Alemã no Brasil” (Civilização Brasileira, 356 páginas), de Stanley Hilton; “Missão no Reich — Glória e Covardia dos Diplomatas Latino-Americanos na Alemanha de Hitler” (Odisseia Editorial, 543 páginas), de Roberto Lopes. Stanley Hilton revela que o poeta brasileiro Gerardo Mello Mourão espionou para os nazistas.

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