segunda-feira, 23 de março de 2020

O coronavírus: o perfeito desastre para o capitalismo do desastre

O coronavírus: o perfeito desastre para o capitalismo do desastre

(Bom texto de Leonardo Boff)

A atual pandemia do coronavírus representa uma oportunidade única para repensarmos o nosso modo de habitar a Casa Comum,a forma como produzimos, consumimos e nos relacionamos com a natureza. Chegou a hora de questionar as virtudes da ordem do capital: a acumulação ilimitada, a competição, o individualismo, a indiferença face à miséria de milhões, a redução do Estado e a exaltação do lema de Wallstreet:”greed is good”(a cobiça é boa). Tudo isso agora é posto em xeque. Ele não pode mais continuar.
O que agora nos poderá salvar não são as empresas privadas mas o Estado com suas políticas sanitárias gerais, sempre atacado pelo sistema do mercado “livre” e serão as virtudes do novo paradigma, defendidas por muitos e por mim, do cuidado, da solidariedade social, da corresponsabilidade e da compaixão.
O primeiro a ver a urgência desta mudança foi o presidente francês, neoliberal e vindo do mundo das finanças E. Macron. Falou claro:“Caros compatriotas, precisamos amanhã tirar lições do momento que atravessamos, questionar o modelo de desenvolvimento que nosso mundo escolheu há décadas e que mostra suas falhas à luz do dia, questionar as fraquezas de nossas democracias. O que revela esta pandemia é que a saúde gratuita sem condições de renda, de história pessoal ou profissão, e nosso Estado-de Bem-Estar Social não são custos ou encargos mas bens preciosos, vantagens indispensáveis quando o destino bate à porta. O que esta pandemia revela é que existem bens e serviços que devem ficar fora das leis do mercado”.
Aqui se mostra a plena consciência de que uma economia só de mercado, que tudo mercantiliza e sua expressão política o neoliberalismo são maléficas para a sociedade e para o futuro da vida.
Mais contundente ainda foi a jornalista Naomi Klein,uma das mais perspicazes críticas do sistema-mundo e que serviu de título ao meu artigo:”O coronavírus é o perfeito desastre pra o capitalismo do desastre”. Essa pandemia produziu o colapso do mercado de valores (bolsas), o coração deste sistema especulativo, individualista e antivida como o chama o Papa Francisco. Este sistema viola a lei mais universal do cosmos,da natureza e do ser humano: a interdependência de todos com todos; que não existe nenhum ser, muito menos nós humanos, como uma ilha desconectada de tudo o mais. Mais ainda: não reconhece que somos parte da natureza e que a Terra não nos pertence para explorá-la ao nosso bel-prazer,mas que nós pertencemos à Terra. Na visão dos melhores cosmólogos e dos astronautas que veem a unidade Terra e Humanidade, somos aquela porção da Terra que sente, pensa,ama,cuida e venera. Superexplorando a natureza e a Terra como se está fazendo no mundo inteiro, estamos nos prejudicando a nós mesmos e nos expondo às reações e até aos castigos que ela nos impõe. É mãe generosa, mas pode mostrar-se rebelada e enviar-nos um vírus devastador.
Sustento a tese de que esta pandemia não pode ser combatida apenas por meios econômicos e sanitários sempre indispensáveis. Ela demanda outra relação para com a natureza e a Terra. Se após passar a crise e não fizermos as mudanças necessárias, na próxima vez poderá ser a última, pois nos fazemos os inimigos figadais da Terra. Ela pode não nos querer mais aqui.
O relatório do prof.Neil Ferguson do Imperial College of London declarou:” esse é o vírus mais perigoso desde a gripe H1N1 de 1918.Se não houver uma resposta haveria nos USA 2,2 milhões de mortos e 510 mil no Reino Unido”.Bastou esta declaração para que Trump e Johnson mudassem imediatamente de posição.Tardiamente se empenharam com fortunas para proteger o povo. Enquanto que no Brasil o Presidente não se importa, a trata como uma “ histeria" e no dizer de um jornalista alemão da Deutsche Welle:”Ele age de forma criminosa. O Brasil é liderado por um psicopata, e o país faria bem em removê-lo o mais rápido possível. Razões para isso haveria muitas”. É o que o Parlamento e o STF federal, por amor ao povo, deveria sem delongas fazer.
Não basta a hiperinformação e os apelos por toda a mídia. Ela não nos move a mudar de comportamento exigido. Temos que despertar a razão sensível e cordial. Superar a indiferença e sentir, com o coração, a dor dos outros. Ninguém está imune do vírus. Ricos e pobres temos que ser solidários uns para com os outros, cuidarmo-nos pessoalmente e cuidar dos outros e assumir uma responsabilidade coletiva.Não há um porto de salvação. Ou nos sentimos humanos, co-iguais na mesma Casa Comum ou afundaremos todos.
As mulheres,como nunca antes na história, têm uma missão especial: elas sabem da vida e do cuidado necessário. Elas podem nos ajudar a despertar nossa sensibilidade para com os outros e para conosco mesmo.Elas junto com operadores da saúde (corpo médico e de enfermagem) merecem nosso apoio irrestrito. Cuidar de quem nos cuida para minimizar os males desse terrível assalto à vida humana.
Leonardo Boff escreveu:Como saber cuidar e O cuidado necessário,ambos pela Vozes 2009 e 2013.
Fonte - Jornal do Brasil. Março de 2020

Embate entre Turquia e UE sobre migrantes e refugiados

Embate entre Turquia e UE sobre migrantes e refugiados é ‘crônica de uma tragédia anunciada’

Autor - Rodrigo Borges Delfim
Data - 2 de março de 2020. Recebido do NIEM/UERJ

Quase quatro anos depois, o polêmico acordo firmado com a União Europeia para a Turquia segurar migrantes em seu território em troca de ajuda financeira caiu por terra. E enquanto os dois lados trocam acusações, os migrantes que se arriscam em longas travessias em busca de melhores condições de vida enfrentam uma situação ainda mais vulnerável.
Segundo o governo turco, a UE não vinha cumprindo com sua parte no acordo estabelecido em março de 2016 e atrasava os repasses financeiros.
Em resposta, o governo turco anunciou que não mais impediria os migrantes de atravessarem suas fronteiras em direção à Europa. A medida acarretou a reação imediata da Grécia e da Bulgária —ambos integrantes da UE — no sentido de reforçar suas fronteiras, com apoio policial e militar.

Situação vulnerável

Cerca de 13 mil pessoas já se encontram na província turca de Edirne, que faz fronteira com Grécia e Bulgária, de acordo com a OIM (Organização Internacional para as Migrações).
A agência da ONU diz monitorar a situação na região e fornecer comida, água e agasalhos para os migrantes. Vale lembrar que ainda é fim de inverno no hemisfério Norte, onde as temperaturas costumam ficar abaixo de 0ºC, o que deixa a situação ainda mais precária.
“A jornada para a Europa apresenta riscos significativos à segurança de migrantes e suas famílias, que muitas vezes são vítimas de contrabandistas, condições climáticas adversas e falta de acesso a alimentos e água”, diz o chefe da missão da OIM na Turquia, Lado Gvilava.
Além de rota de passagem entre o Oriente Médio e a Europa, a Turquia é ainda o país com o maior número de refugiados em seu território, de acordo com as Nações Unidas —são cerca de 3,6 milhões de pessoas, vindas da vizinha Síria.

‘Crônica de uma morte anunciada’

A pesquisadora Claudia Loureiro, professora de Direitos Humanos da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e pós-doutora em Direito Internacional pela USP, parafraseia um dos livros do escritor e jornalista colombiano Gabriel García Márquez para descrever a situação gerada por Turquia e UE.
“O contexto atual é praticamente a ‘Crônica de uma morte anunciada'”, diz ela, para resumir tanto o acordo firmado em 2016 como a atual decisão turca para pressionar os europeus.
Essa visão é complementada pela da advogada Joseane Schuck Pinto, professora de Direito Internacional Público e Globalização na Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Ela aponta que as migrações e os migrantes acabam reduzidos a uma mera moeda de troca nesse tabuleiro global.
“A agenda das migrações internacionais acaba se caracterizando por ser a principal moeda de barganha a ser utilizada pelos governos dos países envolvidos, à medida em que os fluxos migratórios não cessam. Pelo contrário, seguem ativos e contam com novas rotas para a chegada à Europa, a exemplo a arriscada travessia pelo mar Mediterrâneo e pelo território da Líbia, com intuito de adentrar na União Europeia”.
Schuck crê que um dos efeitos práticos dessa decisão turca pode ser o reativamento da chamada “Rota dos Bálcãs”. Assim ficou conhecido o trajeto percorrido por migrantes e refugiados entre a Turquia e os países do centro e norte da Europa, passando por nações balcânicas — como Grécia, Macedônia, Sérvia, Croácia e Bósnia.
A chamada “Rota do Bálcãs” e a falta de acordo entre os governos europeus sobre como gerir essa movimentação acentuou o discurso xenófobo de grupos políticos e de governos, como o da Hungria.
“É a verdadeira coisificação dos migrantes em prol dos interesses dos Estados, tornando-os, cada vez mais, vulneráveis diante da prevalência da soberania estatal, com sua máxima exposição à degradação dos direitos humanos”, critica Loureiro.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

A Sociedade Líquida

Conforme dito para alguns alunos, coloco à disposição dois links de entrevistas, citadas em sala, em que o filósofo Zygmunt Bauman apresenta sua ideia de sociedade pós-moderna.

https://colunastortas.wordpress.com/2014/04/11/sociedade-liquida-bauman-explica/

https://colunastortas.wordpress.com/2014/09/01/on-lineoff-line-as-relacoes-sociais-e-a-internet/

Um abraço! 

Prof. Marcelus Silveira

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Sírios refugiados no Brasil

Brasil se oferecerá para receber maior número refugiados sírios

O Ministério da Justiça se colocou à disposição do governo da Alemanha e da União Européia para receber mais refugiados sírios.
A negociação, ainda embrionária, não deve ser finalizada antes do fim deste ano, na avaliação do ministro da Justiça, Eugênio Aragão.
Procurado, o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha disse não ter recebido a proposta brasileira.
A ideia, segundo o governo brasileiro, é formular um projeto que impulsione a ampliação do fluxo de refugiados daquele país.
"Em dois anos, recebemos 2.200 sírios. É pouco", disse, lembrando o fluxo para a Alemanha —o país recebeu 1,2 milhão de refugiados, sobretudo sírios, em 2015.
"Dessa forma, poderemos nos tornar um player internacional na crise do Oriente Médio, tendo protagonismo global. Além disso, vamos adquirir conhecimento sobre como lidar com fluxos migratórios", justificou Aragão.

Karime Xavier/Folhapress
SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -17 /03/16 -19 :00h -Abertura do festival sul-americano de cultura árabe na assembleia legislativa do Estado. Avó refugiada da Síria, cuida do neto Carlos Salim nascido no Brasil, 2 meses. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***ESPECIAL ÁRABE
A palestina vinda da Síria Mona Hammad,com o neto brasileiro Carlos Mhanna, de dois meses, em março
O ministro diz ter a anuência da presidente Dilma Rousseff para intensificar as negociações. De acordo com ele, o Brasil pleiteará uma apoio financeiro internacional para receber os estrangeiros. Os recursos seriam investidos em ações de infraestrutura compatíveis com o fluxo migratório.
Outro ponto considerado importante para que as conversas avancem é a possibilidade de caber ao Estado brasileiro a triagem dos refugiados que desembarcarem em território nacional. Com isso, o governo poderá analisar os perfis que melhor se encaixariam no Brasil.
Aragão aponta as cidades de médio porte do interior de São Paulo e do Paraná como regiões favoráveis à recepção desses estrangeiros. "Trata-se de uma hipótese porque, obviamente, teremos que conversar com os Estados e municípios antes de definirmos isso", ponderou Aragão.
A agência da ONU para refugiados registrou mais de 4,8 milhões de refugiados sírios que fugiram do país devido à guerra civil, que já completou cinco anos. A União Europeia, destino de boa parte dos migrantes, fechou recentemente um acordo com a Turquia para tentar conter o fluxo migratório para o continente europeu. 
Fonte: Folha / UOL

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Os refugiados chegaram para a Alemanha

Como Alemanha se beneficiará recebendo 800 mil refugiados

  • 9 setembro 2015 (Fonte:BBC)

Quando a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciou na semana passada que a Alemanha concederia asilo a 800 mil refugiados neste ano, muitos afirmaram que outros países da União Europeia deveriam seguir o exemplo da maior economia do bloco.
Desde que dezenas de milhares de imigrantes de Síria, África e Oriente Médio começaram a chegar às fronteiras da Europa, a narrativa política na Alemanha tem sido distinta.
Em seus discursos, Merkel vem destacando "o ideal europeu comum". Segundo ela, o continente como um todo tem de se envolver com o problema da crise humanitária na Síria.
"Se a Europa fracassar no assunto dos refugiados, sua estreita relação com os direitos civis universais serão destruídos", disse a chanceler alemã.
"Como um país financeiramente saudável e forte, temos a força para fazer o que é necessário", acrescentou.
Surpreendentemente, o posicionamento de Merkel quanto à crise humanitária na Síria gerou um inédito consenso no país. Tanto a maioria dos políticos de direita quanto de esquerda apoiam a iniciativa da chanceler.
Para muitos deles, aceitar refugiados é uma questão de solidariedade com aqueles que fogem de perseguições e guerras.
No entanto, há razões pragmáticas por trás do autopropalado altruísmo.

Motivos

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Efetivamente, a Alemanha possui uma das populações que envelhecem e diminuem mais rapidamente na Europa.
Segundo estimativas da Comissão Europeia, calcula-se que em 2060 a população do país encolherá em 10 milhões de pessoas, passando de 81,3 milhões em 2013 para 70,8 milhões.
Por essa razão, o país poderia beneficiar-se de um influxo de jovens trabalhadores.
Por outro lado, acredita-se que o Reino Unido se tornará o país mais populoso da União Europeia. Segundo o relatório da entidade, a população do país vai aumentar das atuais 64,1 milhões para 80,1 milhões de pessoas em 2060.
O crescimento da população britânica é resultado da taxa de fertilidade relativamente alta e de um dos maiores saldos líquidos de imigração entre todos os países que pertencem ao bloco comum.
Essa diferença pode ajudar a explicar por que Alemanha e Reino Unido mantêm posições diferentes sobre imigração.

No caso alemão, a crescente proporção de cidadãos dependentes antecipa um enorme fardo para os contribuintes.
Estima-se que a proporção de pessoas com 65 anos ou mais sobre a população entre 15 e 64 anos aumentará de 32% em 2013 para 59% em 2060.
Em outras palavras, isso significa que daqui a 45 anos haverá dois alemães com menos de 65 anos trabalhando e gerando impostos para cada alemão aposentado.
Segundo explica o editor de economia da BBC, Robert Peston, "considerando essas circunstâncias, seria particularmente útil para a Alemanha receber um influxo de famílias jovens da Síria ou de outras partes, que estão dispostas a trabalhar duro e se esforçar para reconstruir suas vidas e demonstrar a seus anfitriões que não são um fardo".
Mas nem tudo é boa notícia para a Alemanha.
A entrada maciça de imigrantes, como está acontecendo agora, cria enormes desafios para a sociedade.
Governos de muitas cidades dizem estar sobrecarregados pois não têm onde abrigar os refugiados, que chegam a dezenas de milhares de pessoas.
E os sistemas de segurança social e os orçamentos regionais vão ter de enfrentar crescentes custos adicionais.
Mas, como observou em sua edição internacional a revista Der Spiegel, a entrada sem precedentes de imigrantes na Alemanha "vai mudar fundamentalmente o país."
"(Os refugiados) representam um fardo, mas são também uma oportunidade para criar uma nova Alemanha, mais cosmopolita e generosa".
E a onda de imigração também é bem recebida pelos empresários. "Embora a taxa oficial de desemprego seja de quase 2,8 milhões no país, diz a Der Spiegel, a comunidade empresarial precisa urgentemente de trabalhadores."
"A economia alemã depende da imigração, tanto da Europa quanto de pessoas que entram no país devido aos direitos de asilo."
"Com uma população em queda, as empresas não podem preencher todos os postos de trabalho e trabalhadores qualificados são cada vez mais raros. Essa tendência será agravada nos próximos anos. Trata-se de uma realidade que ameaça a prosperidade do país", afirma a publicação.
Especialistas dizem que a Alemanha não vai conseguir satisfazer suas necessidades somente com o mercado de trabalho europeu, onde é permitida a livre circulação de trabalhadores na União Europeia.
Em meio ao acalorado debate sobre imigração, o governo alemão não está isento de críticas, muitas das quais partem de setores à extrema-direita tradicionalmente contrários a entrada de estrangeiros no país.
Mas economistas afirmam que a imigração promove crescimento e o país vive, atualmente, um momento em que a onda de imigrantes pode representar um benefício econômico e demográfico no futuro.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Vestibular da UERJ - O que é cobrado? O que mais cai na prova??

Fiz uma avaliação de todos os exames da UERJ desde 1997 até 2015. Usei apenas as questões de múltipla escolha das provas de Geografia / Ciências Humanas.  O total avaliado foram 367 questões.
Em alguns casos, a questão foi contada mais de uma vez, pois é comum existirem questões que tratem de dois, três ou mais assuntos de uma única vez. Veja meus resultados:

UERJ – Entre 1997 e 2015, análise de 367 questões de Múltipla Escolha.

Geografia do Brasil – Foram 189 questões.  Os assuntos que caíram foram os seguintes, em ordem crescente:
05 (questões) de Geopolítica
10 de Meio Ambiente
13 de Geografia Física
17 de Geografia Regional do Brasil
79 de Economia (Destaque para 51 de Política Econômica, 30 de Agropecuária e 17 sobre Energias)
99 de Geografia Humana ( 80 de População, 54 de Urbanização) - Este é o assunto "campeão" das provas!

Geografia Geral – 186 Questões.  Assuntos, em ordem crescente: 
13 de Meio ambiente
16 temáticas
18 de Geografia Física
27 de Geografia Humana (Com ênfase em população)
61 de Geopolítica (Destaque para Europa, Estados Unidos e China)
85 de Economia (58 de Globalização,  28 de política econômica e 20 de indústria)

Um detalhe. Nos últimos  5 anos de provas (2010 a 2015) , das 111 questões,  70 eram de Geografia Geral e 47 eram de Geografia do Brasil. Sinceramente, antes de contar, minha impressão era de um número maior de questões de Geografia do Brasil nos últimos concursos. 

Um abraço a todos os visitantes, desejo que sejam úteis estas dicas!
Professor Marcelus Silveira / Geografia. Maio de 2015




terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Questões Políticas no Paraguai - Excelente Texto

Retrato do Paraguai, vizinho desconhecido

– 17 DE JANEIRO DE 2014

  • Por Maurice Lemoine 

Mello
Como o golpe de Estado devolveu todo poder aos latifundiários? De onde surgem sem-terra, que resistem e exigem direitos? Que é o EPP, pequeno grupo que aterroriza ricos? 
Por Maurice Lemoine, no Le Monde Diplomatique | Ilustração: Mello
Em 24 de agosto de 2013, um vento gelado dilacerava o rosto. Divididas em quatro “brigadas”, 108 famílias reocuparam a terra da localidade conhecida como Naranji To, de onde haviam sido expulsas quatro vezes pelas forças da ordem. Sobre uma coberta, armaram-se barracas precárias em meio a trouxas de roupa. “A partir de amanhã, plantaremos culturas de subsistência”, anunciou o dirigente Jorge Mercado, com uma segurança pouco convincente. A força das lembranças ainda transparecia em seu rosto como uma onda. A última expulsão havia sido particularmente violenta: “Os policiais queimaram 84 barracas! Roubaram animais, aves, mataram os porcos”.
Em 1967, o ditador Alfredo Stroessner deu essas terras de mão beijada a um alemão, Erich Vendri, as quais foram posteriormente “herdadas” por seus filhos Reiner e Margarita. Mas elas não deixaram de pertencer ao Estado. “Verificamos junto às instituições responsáveis o que é legal e o que foi vendido ou adquirido com irregularidades”, explica Mercado. “Temos anos de experiência em recuperar, pedaço por pedaço, o território paraguaio.” Enquanto disserta sobre a cobiça dos terratenientes (latifundiários) e dos sojeros (produtores de soja), um lençol de trevas cobre o acampamento. Reunidos ao redor de braseiros incandescentes, os camponeses tomam seu mate, deixando o calor da bebida penetrá-los lentamente.
Dois dias depois, com a brutalidade costumeira, a polícia atacou novamente.
Nesse país de 6,7 milhões de habitantes, cerca de 300 mil famílias de camponeses são desprovidas de terras. Sem remontar às calendas paraguaias, foi no fim do século XIX que o modelo de latifúndio se consolidou. Sob Stroessner (1954-1989), superfícies consideráveis de “terras livres” pertencentes ao Estado e legalmente destinadas à reforma agrária, como Naranji To, foram repartidas entre amigos, cúmplices, militares, funcionários. A partir da década de 1970, produziu-se uma revolução maior: vinda dos estados do Sul do Brasil, a agricultura mecanizada passou a fronteira com sua vedete, a soja.
Um espasmo agitou os campos. Os pequenos e médios produtores – que historicamente alimentavam o país – atrapalhavam a expansão desse setor voltado para a exportação. Ora, existem diversas formas de perseguir os que impedem o plantio intensivo. “A mais simples é comprar a terra deles”, comenta Luis Rojas. “Oferecemos a um camponês um valor que ele jamais viu em sua vida. Ele imagina que é uma fortuna, vende o lote, vai para a cidade, gasta tudo em três ou quatro meses e engrossa os cinturões de miséria, porque fica sem trabalho”, completa.
E assim a soja ampliou suas fronteiras.
Comunidades inteiras migraram pelas secas causadas pelo desmatamento. Além disso, a aspersão aérea de pesticidas afetou as culturas limítrofes, envenenou cursos de água, obrigou os animais a percorrer quilômetros em busca de pasto, se arrastando pelos últimos tufos. Vômitos, diarreias, dores de cabeça. Impotentes, os vizinhos venderam suas porções de terra a preço de banana.
E assim a soja engoliu vilas e vilarejos.
Em 1996, sua variedade transgênica, a semente “roundup ready”, da Monsanto, surgiu na Argentina, de onde travou uma guerra imperialista, sem aprovação do governo, contra o Brasil, a Bolívia e o Paraguai, reforçada pelos pesticidas mortíferos para o meio ambiente.1
E assim a soja inundou planícies e savanas – maré implacável.
Ilhas irredutíveis tentam fazer valer seus direitos. “Com o pretexto de atender a suas reivindicações, o governo desloca essas pessoas, que são enviadas para lugares de florestas que precisam ser desbravados, a 80 quilômetros de qualquer estrada, sem posto de saúde, sem nada”, critica Perla Alvarez, da Coordenação de Mulheres Rurais e Indígenas (Conamuri). E quando alguns desses deslocados se organizam para retomar as terras férteis que lhes foram confiscadas, o agronegócio solta os cachorros. “Desde o início do período democrático, em 1989, até hoje, registraram-se 116 casos de assassinato ou desaparecimento de dirigentes ou militantes de organizações camponesas”, lembra Hugo Valiente, da Coordenação de Direitos Humanos do Paraguai (Codehupy). Além dos agentes de Estado, os seguranças particulares dos latifundiários, os matones, atuam sob total impunidade.
E a soja avança, avança. Soja sem fim.
Influentes, organizados, incrustados no coração dos grandes partidos tradicionais – a Associação Nacional Republicana (ANR, ou Partido Colorado, no poder de 1946 a 2008, e de volta em 2013) e o Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) –, os terratenientes administram empresas de trens, possuem suas próprias pistas de aterrissagem, seus próprios aviões. O grupo do brasileiro Tranquilo Favero, o “rei da soja” (ver box), possui 140 mil hectares em oito departamentos (Alto Paraná, Canindeyú, Itapúa, Caaguazú, Caazapá, San Pedro, Central e Chaco), nove empresas (tratamento e distribuição de sementes, elaboração e importação de agroquímicos e fertilizantes, financiamento de produtores, fornecimento de máquinas e combustíveis etc.) e um porto particular do Rio Paraná – via fluvial chave para grandes projetos de infraestrutura no continente. Os oito membros da Central Nacional de Cooperativas (Unicoop) controlam mais de 305 mil hectares. O grupo Espírito Santo se contenta com apenas 115 mil. Em resumo, segundo o Censo de 2008, 2% dos proprietários monopolizam 85% das terras do Paraguai.
De seu lado, as multinacionais aproveitam. As norte-americanas Cargill (vinte silos, uma fábrica, três portos particulares),2 ADM Paraguay Saeca (trinta silos, seis portos particulares) e Bunge (cinco silos com capacidade total de 230 mil toneladas), além da Louis Dreyfus (França) e Noble (Hong Kong), obtêm altos benefícios com a soja e controlam cerca de 40% de todas as exportações do país. BASF e Bayer (alemãs), Dow (Estados Unidos), Nestlé (Suíça), Parmalat (Itália) e Unilever (Países Baixos, Grã-Bretanha), para citar algumas, completam esse cenário.3 E convém mencionar um detalhe: mesmo gerando com suas atividades 28% do PIB, latifundiários e transnacionais contribuem com apenas 2% das receitas fiscais do país.4
Aos buzinaços, filas intermináveis de máquinas agrícolas e caminhões invadem as estradas, enquanto a soja avança sem fim sobre as terras vermelhas e pouco férteis da região oriental, inclusive a dos ganaderos– criadores de 14 milhões de cabeças de gado na rústica região do Chaco. As superfícies invadidas pelo “ouro verde” passaram de 1,5 milhão de hectares em 1993 a 3,1 milhões hoje, e fazem do Paraguai o quarto maior exportador mundial de soja. Cerca de 60% do grão produzido parte rumo à Europa para a alimentação de gado e produção de biocombustíveis.
Mobilização sem terra
Os camponeses, contudo, não assistem passivos a esse processo. “Já recuperamos muitas terras. Mais de trezentos de nossos companheiros estão em ocupações nas zonas de Itapúa e Caazapá”, explica Esther Leiva, coordenadora nacional da Organização de Luta pela Terra (OLT). Entre 1990 e 2006, período em que ocorreram 980 conflitos por terra, camponeses realizaram 414 ocupações, a forma de pressão mais utilizada para “sensibilizar” as autoridades. Chamadas de “invasões” pelos proprietários e pela mídia, as ocupações resultaram em 366 expulsões e 7.346 detenções.5 Mas, analisa Dominga Noguera, coordenadora das organizações sociais de Canindeyú, “apenas nesse departamento, 130 hectares foram reconquistados”.
Nesses campos de caminhos pouco transitáveis, apenas motos de baixa cilindrada chegam às colônias agrícolas, os asentamientos [assentamentos]. Aqui, no coração do departamento de Itapúa, no Asentamiento 12 de Julio, recorda-se como, em 1996, há dezessete anos, setenta pessoas foram encarceradas durante seis meses por tentar ocupar à força o “sítio” de 1.600 hectares pertencentes a Nikolai Neufeld, um menonita alemão.6 Nesse país desprovido de cadastro fundiário, pacotes de títulos de propriedade fraudulentos foram entregues por um sistema judiciário sob controle da cúpula de magistrados ligados à ditadura de Stroessner e ao Partido Colorado. Um caos administrativo, a ponto de uma terra possuir três ou quatro títulos de propriedade diferentes. A soma dos títulos de terra no Paraguai faria o país ter dois andares…
Em 2005, os habitantes do Asentamiento 12 de Julio retomaram a luta com o apoio da OLT e da Mesa de Coordenação Nacional de Organizações Camponesas (MCNOC). Ocuparam quatro vezes essas terras, e nas quatro tentativas foram violentamente despejados pela polícia, pelos militares e pelos matones, sob os olhos de enviados especiais dos meios de comunicação da oligarquia – ABC Color,7La NaciónÚltima Hora–,que assistiram de camarote ao incêndio dos ranchos desses “criminosos” de pés descalços.
O combate, porém, trouxe frutos. Cerca de 230 famílias vivem hoje legalmente nessas terras, onde plantam mandioca, milho, feijão, batata-doce, amendoim e gergelim. Em 2009, o Instituto Nacional de Desenvolvimento Rural e da Terra (Indert), o órgão encarregado da reforma agrária, de fato recomprou a terra de Neufeld, que desde então foi condenado a cinco anos de prisão: entre 2007 e 2011, ele vendeu terras que não lhe pertenciam a imigrantes alemães por 14 milhões de euros. Para explicar esses felizes desdobramentos, Magno Álvarez, robusto dirigente da comunidade, observa que, “em 2009, as tensões tinham diminuído, era o período do presidente [Fernando] Lugo”.
No dia 20 de abril de 2008, cansados de 61 anos de autoritarismo do Partido Colorado, 40,8% dos eleitores depositaram suas esperanças na figura desse antigo “padre dos pobres”, socialmente muito engajado. Na ausência de uma base política organizada, Lugo foi levado ao poder pela Aliança Patriótica pela Mudança (APC), uma coalizão de movimentos sociais e oito partidos, entre os quais se destacava o Partido Liberal, formação conservadora incapaz até aquele momento de enfrentar a dominação do Partido Colorado.8 O casamento durou pouco.
Próximo dos governos progressistas da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba),9 Lugo levou adiante uma política moderada. Ainda assim, foi demais para a coalizão: ele recusou a instalação de uma base militar norte-americana em Mariscal Estigarribia (Chaco); negou a concessão de subsídios de energia no valor de US$ 200 milhões à multinacional canadense Rio Tinto Alcán, que queria instalar uma fábrica de alumínio nas margens do Rio Paraná; aumentou os investimentos sociais; permitiu aos pobres o acesso gratuito a hospitais; evocou uma reforma agrária e expressou sua simpatia em relação aos movimentos camponeses, que, com esse apoio implícito, multiplicaram as ocupações e manifestações. Depois de apoiá-lo por oportunismo eleitoral, o Partido Liberal do vice-presidente Federico Franco voltou-se contra o chefe de Estado. De mãos dadas com o adversário coloradode antes (ambos os partidos formam a maioria absoluta no Congresso), jogou abertamente em prol da desestabilização do governo Lugo.
Mais um golpe de Estado
Apoiada pela imprensa, a União de Grêmios da Produção (UGP) deu o alarme. O conflito se agravou quando esse poderoso lobby reivindicou a introdução de variedades geneticamente modificadas de milho, algodão e soja. “O ministro da Agricultura, o liberal Enzo Cardozo, agiu em total conformidade com os interesses da Monsanto, Cargill e Syngenta. Era literalmente funcionário dessas empresas e, ao mesmo tempo, porta-voz da UGP”, lembra Miguel Lovera, então presidente do Serviço Nacional de Qualidade e Saúde dos Vegetais e Sementes (Senaves). Contudo, a autorização não foi acordada: a ministra da Saúde, Esperanza Martínez, e o de Meio Ambiente, Oscar Rivas, assim como Lovera pelo Senaves se opuseram. O ABC Colordesencadeou uma campanha violenta contra eles. E, pela milésima vez, o vice-presidente Franco evocou a destituição de Lugo por um “julgamento político” (o equivalente a um impeachment). Faltava apenas encontrar um pretexto.
A 400 quilômetros a nordeste de Assunção, próximo a Curuguaty – cidade de três avenidas estreitas, uma dezena de vias perpendiculares e, em cada esquina, um banco onde é depositado o dinheiro dos sojeros –, na localidade chamada Marina Kue, alguns “sem-terra” ocupam pacificamente uma propriedade grilada por Blas Riquelme, ex-presidente do Partido Colorado (que representou no Senado de 1989 a 2008) e proprietário de 70 mil hectares de terras da empresa Campos Morombí. Ninguém ignora que os cerca de mil hectares disputados em Marina Kue pertenceram ao Exército paraguaio até o fim de 1999 e que, em 4 de outubro de 2004, o Decreto n. 3.532 declarou-os de “interesse social” e transferiu-os ao Indert. Entretanto, no dia 15 de junho de 2012, 324 policiais fortemente armados irromperam o local para desalojar – pela sétima vez em dez anos! – os cerca de sessenta camponeses presentes no acampamento.
O que aconteceu na sequência? “Queríamos a terra e tivemos uma guerra”, suspira Martina Paredes, membro da Comissão de Vítimas de Famílias de Marina Kue, que perdeu um irmão nos conflitos. Nesse 15 de junho, após um primeiro cessar-fogo, eclodiu um tiroteio durante o qual onze camponeses e seis membros das forças da ordem perderam a vida. Ainda hoje, ninguém sabe quem iniciou o conflito armado. “Falei com alguns policiais, e eles sabem tanto quanto nós”, confidencia Martina. Um dos dirigentes de Marina Kue, Vidal Vega, anunciou que deporia sobre a presença de infiltrados ematones de Campos Morombí nos locais do massacre. Mas foi assassinado antes disso, em 16 de dezembro de 2012. Além disso, a gravação realizada por um helicóptero da polícia que sobrevoava permanentemente a região desapareceu de forma misteriosa.
A presença de mulheres e crianças no acampamento abala qualquer credibilidade da hipótese de uma emboscada orquestrada pelos camponeses contra as forças da ordem. Isso não impediu, contudo, que, no dia 22 de junho de 2012, Lugo, acusado de atiçar a violência contra os grandes proprietários de terra, fosse destituído de seu posto por um “julgamento político” de 24 horas, quando, de acordo com o artigo 225 da Constituição, ele teria o prazo de cinco dias para organizar sua defesa. Em outras palavras, isso se chama golpe de Estado.
Um clássico latino-americano
Assim que Franco subiu ao poder, seu governo desativou imediatamente a comissão independente nomeada para investigar os acontecimentos de Marina Kue com a assistência da Organização dos Estados Americanos (OEA). E não demorou sequer uma semana para, por decreto e sem nenhum procedimento técnico, o algodão geneticamente modificado ser autorizado. Durante os meses seguintes, sete outras variedades transgênicas de milho e soja também foram liberadas.
Segundo a fórmula consagrada, as eleições de 22 de abril de 2013 marcaram o “retorno à normalidade” do Paraguai, que após o golpe foi excluído do Mercosul, da União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e do Caribe (Celac). Quando efetivamente assumiu as funções de chefe de Estado no dia 15 de agosto, em nome do Partido Colorado, Horacio Cartes, o homem mais rico do país – que tem por principal conselheiro o chileno Francisco Cuadra, ex-ministro e porta-voz de Augusto Pinochet –, se deslocou do Palácio do Governo à Catedral a bordo de um Chevrolet Caprice branco conversível utilizado por Stroessner em seu tempo. Dando o tom de seu futuro mandato durante um almoço de trabalho do qual participaram 120 (La Nación) ou 400 (ABC Color) “chefes de empresas nacionais e estrangeiras entusiastas”, prometeu que não toleraria que “os investidores fossem maltratados pelos funcionários públicos.
Dois dias depois, provocando torrentes de indignação na mídia, cinco seguranças particulares da fazenda Lagunita10 foram executados pelo misterioso Exército do Povo Paraguaio (EPP), um pequeno grupo – e não guerrilha – ao qual se atribuem 31 sequestros e assassinatos desde 2006 em zonas de difícil acesso dos departamentos de Concepción e San Pedro, os mais pobres do país. A investigação revela que uma das vítimas, Feliciano Coronel Aguilar, um suboficial da polícia, dirigia, em seu “tempo livre”, a empresa de segurança San Jorge, encarregada da segurança da fazenda. De seu lado, no Facebook, o EPP afirma que seus alvos “fazem parte de um grupo parapolicial que matou vinte camponeses”, o que confirma implicitamente o ex-deputado colorado Magdaleno Silva: “É preciso investigar a verdadeira atividade da empresa de segurança San Jorge”.11O padre Pablo Caceres, da diocese de Concepción, afirma: “Essas pessoas que são assassinadas, esses seguranças particulares, que nos dizem ser pobres trabalhadores, eram na realidade matones”.12
Em abril de 2010, o presidente Lugo, regularmente acusado de ter ligações com o EPP, havia decretado estado de exceção durante um mês para tentar erradicá-lo – sem resultado – em quatro departamentos. No dia 22 de agosto, com uma velocidade meteórica, o Congresso aprovou uma lei que permite a Cartes ordenar operações militares sem a necessidade de, antes, declarar estado de exceção. A polícia nacional passou ao controle operacional dos militares, que se deslocam pelos departamentos de San Pedro, Concepción e Amambay, apoiados por helicópteros e tanques blindados. Tudo isso para acabar com um movimento de oposição armada cujos efetivos não chegam a constituir duas equipes de futebol?
Na comunidade de Tacuatí Poty, para não se ater a um único exemplo, reina uma atmosfera de fim de mundo. Nesse assentamento de setecentas famílias encurraladas pela soja, brigou-se por tudo: primeiro pela terra, depois pelo posto de saúde, pela escola, o colégio, a água potável, a estrada. A oito quilômetros dali, um rico latifundiário, Luis Lindstrom, foi sequestrado entre junho e setembro de 2008 pelo EPP, e liberado mediante o resgate de US$ 130 mil, depois assassinado no dia 31 de maio de 2013 por dois franco-atiradores supostamente pertencentes à “guerrilha”. Acusado de constituir um dos campos de base da subversão, Tacuatí Poty vive o inferno das revistas noturnas e sem mandado realizadas por militares, além de intimidações, provas plantadas pela polícia nos quartos daqueles que ela deseja incriminar e detenções arbitrárias.
“As pessoas estão com medo. Não se pode confiar na justiça nem nas instituições que deveriam proteger nossos direitos. Os acusados são pais de família, lutadores que se levantam às 5 da amanhã para trabalhar. Como se fosse por acaso, eles são também os dirigentes. No fundo, o problema são as nossas terras. Em nossa ignorância, é o que percebemos. Ao acabar com os dirigentes, eles acham que vão acabar conosco”, alarma-se Victoria Sanabria.
Trata-se, em resumo, de um grande clássico latino-americano. Uma ferida mal curada termina por inflamar-se. Grupos, pequenos ou grandes, condenáveis ou não, radicalizam-se. O poder dito “democrático” grita de forma ameaçadora e, lançando ordens de capturar presumidos culpados, criminalizam em primeiro lugar… os movimentos sociais – em benefício, no caso do Paraguai, dos sojeros.
BOX:
“Brasiguaios”: desprezados ou adorados
Cerca de 19% do território nacional paraguaio, ou 7,7 milhões de hectares (32% do total das terras aráveis), estão nas mãos de proprietários estrangeiros. E cerca de 4,8 milhões de hectares pertencem a brasileiros, principalmente nas zonas fronteiriças do Alto Paraná, Amambay, Canindeyú e Itapúa. É o que mostra o estudo coordenado por Marcos Glauser, da Organização BASE Pesquisas Sociais, e Alberte Alderete, do Serviço Jurídico Integral para o Desenvolvimento Agrário (Seija), realizado com base no Censo Agrário 2007-2008.
Dois períodos favoreceram a chegada dos brasiguaios. As leis que permitem a venda de terras públicas foram aprovadas após a guerra contra a Tríplice Aliança, que, de novembro de 1864 a março de 1870, opôs o Paraguai à coligação composta por Brasil, Argentina e Uruguai – com consequências desastrosas para o Paraguai. Logo depois, nos anos 1970, marcados pela queda dos preços no mercado fundiário, tornou-se tão fácil desmatar áreas selvagens que Alfredo Stroessner não tinha nada a recusar a seus homólogos dos países vizinhos.
O cenário seguiria igual até a “ditadura” ser substituída pela “ditamole”, momento em que os colonos brasileiros, com a bagagem da agricultura mecanizada, introduziram a soja no país vizinho. Esses colonos foram os pioneiros das empresas de agronegócio mais importantes no Paraguai e entraram em conflito direto com os camponeses locais.
Em matéria de “domesticação” das populações, os recém-chegados haviam feito escola em seu país de origem: “A grande maioria chegou com a mentalidade de ‘fronteira’, para fazer fortuna facilmente, e se impôs por meio da violência, abalando costumes, normas, regras ambientais. Sem mencionar as leis trabalhistas”, denuncia Miguel Lovera, presidente do Serviço Nacional de Qualidade e Saúde dos Vegetais e Sementes (Senaves). Apesar de empregar pouca mão de obra em função da mecanização da agricultura, esses colonos – cujas propriedades variam de cerca de 100 hectares até os 140 mil hectares do “rei da soja” Tranquilo Favero – não raro infligem a seus trabalhadores regimes de semiescravidão. “Eles possuem seus próprios seguranças, mas é comum que usem camponeses locais como matones [guardas particulares] em troca de um pouco de dinheiro”, conta Jorge Lara Castro, ministro de Negócios Estrangeiros do ex-presidente Lugo. A coordenadora nacional da Organização da Luta pela Terra (OLT), Esther Leiva, é mais direta: “Se você passar pelas terras deles, eles podem facilmente atirar”.
“Entre eles [os brasiguaios], há de tudo”, constata o economista Luis Rojas. “Brasileiros ‘puro sangue’, naturalizados, filhos da segunda e terceira gerações. Mas tenham ou não documentos paraguaios, todos mantêm uma forte relação com o país de origem”, explica. Em distritos onde todas as rádios e canais de televisão transmitem em português, os brasiguaios se comunicam nesse idioma, possuem suas próprias escolas, igrejas e permanecem economicamente ligados ao país vizinho. “Não vemos isso com bons olhos”, confessa Isebiano Diaz, camponês de um assentamento do departamento de Caazapá, resumindo o sentimento de sua comunidade e de outras também. “Eles enchem a cabeça das pessoas com ideias estranhas”, completa.
Xenofobia? “Há rejeição”, admite Rojas. “Mas é muito complexo: enquanto os camponeses são abandonados, os brasiguaios são presentes no meio dos negócios que exploram.” De fato, como tal, a comunidade brasileira se envolve pouco com os partidos políticos, mas faz forte pressão política quando considera que seus interesses são afetados ou ameaçados. E quase sempre obtém ganho de causa, pelo apoio incondicional dos círculos dirigentes. “A médio prazo, seus territórios se converterão em encraves brasileiros em território paraguaio”, observa Alderete. Se é que já não é assim… (M.L.)

Maurice Lemoine é jornalista ee autor de “Cinq Cubains à Miami ( Cinco cubanos em Miami)”, Dom Quichotte, Paris , 2010.
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1 Diante do “fato consumado”, o governo paraguaio legalizou sem muitos problemas a soja transgênica em 2004.
2 A Cargill atualmente está no centro de um escândalo na Colômbia, onde é acusada de ter se apropriado de maneira fraudulenta de 52 mil hectares que o Estado havia designado para camponeses pobres.
3 Luis Rojas Villagra, Actores del agronegocio en Paraguay [Atores do agronegócio no Paraguai], BASE Investigaciones sociales, Assunção, 2012.
4 E’a, Assunção, 19 set. 2013.
5 “Informe de derechos humanos sobre el caso Marina Kue” [Relatório de direitos humanos sobre o caso Marina Kue], Coordenadoria de Direitos Humanos do Paraguai, Assunção, 2012.
6 Membros de uma congregação evangélica de origem europeia (essencialmente alemã) que emigrou para o Paraguai na década de 1920. Formado por cerca de 30 mil pessoas, o grupo assegura mais de 80% da produção leiteira nacional.
7 Aldo Zuccolillo, proprietário do ABC Color, é o principal sócio da Cargill no Paraguai.
8 Ler Renaud Lambert, “Au Paraguay, l’‘élite’ aussi a voté à gauche” [No Paraguai, a “elite” também votou na esquerda], Le Monde Diplomatique, jun. 2008.
9 Antígua e Barbuda, Bolívia, Cuba, Equador, Honduras (até o golpe de Estado de 2009), Nicarágua, República Dominicana, São Vicente e Granadinas, Venezuela.
10 Fazenda dedicada à criação de gado.
11 E’a, 21 ago. 2013.
12 Radio Ñanduti, Assunção, 6 set. 2013.

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