sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Violência em Londres espelha relação tensa entre a polícia e a comunidade negra

Fonte: O Público (Lisboa), 09/08/11:



Violência em Londres espelha relação tensa entre a polícia e a comunidade negra

Por Joana Gorjão Henriques, Londres

Actos de vandalismo puro e duro, sintoma da crise e do desemprego
jovem, reflexo de tensões sociais ou grito de protesto contra uma
polícia racista? Dois dias depois do início dos motins que começaram
em Tottenham, Nordeste de Londres, começa a tentar explicar-se o que
aconteceu.

Ainda é cedo para tirar conclusões sobre a verdadeira dimensão
daqueles que são considerados os maiores motins dos últimos anos em
Londres. Mas as relações tensas da polícia com a comunidade negra
britânica são apontadas como uma das principais explicações para
aquilo que alguns lêem como o protesto de membros de uma comunidade
que são parados oito vezes mais do que os de outras pelas autoridades
no chamado "stop and search" - um regulamento que na prática permite
fazer discriminação racial em buscas policiais.

Analistas ouvidos pelo PÚBLICO fazem a analogia com outros motins dos
anos 1980 em Londres, provocados também pela morte de um membro da
comunidade negra pela polícia. Os motins em Tottenham começaram com um
protesto pacífico organizado por família e amigos de Mark Duggan, um
homem de 29 anos morto pela polícia na quinta-feira. As circunstâncias
em que ocorreram os disparos estão a ser investigadas e a ser alvo de
polémica. Nas ruas de Tottenham muitos gritavam palavrões contra a
polícia.

Liz Fekete, directora executiva do Institute of Race Relations (IRR),
think tank que faz pesquisa sobre questões raciais, lembra que esta
não é a primeira morte de alguém da comunidade negra às mãos da
polícia este ano e que "este não é um facto isolado". Em Março, o
músico Smiley Culture foi morto durante uma busca policial em sua
casa, em Londres; em Abril, um jovem negro, Kingsley Burell, morreu
nas mãos da polícia em Birmingham e em Maio houve a morte de outro
jovem londrino, Demetre Fraser, na mesma unidade policial de
Birmingham. "É um problema que persiste", diz Fekete, que critica a
forma como "a família de Duggan foi tratada pela polícia e pela
Comissão independente de Queixas da Polícia". "Acho que não terem
respostas foi o ponto principal para criar frustração com a polícia."
Harmit Athwal, também do IRR, tem analisado as notícias sobre as
mortes na polícia e observado a indignação contra a ausência de
explicações - isso tem vindo a galvanizar a comunidade. "Sem
informação, as pessoas tiram as suas conclusões e..."

Para quem tem estudado motins no Reino Unido como Paul Bagguley, da
Universidade de Leeds, estes têm características semelhantes aos dos
anos 1980 e de 1985 em Londres e Liverpool, iniciados por uma série de
detenções da polícia. "Todos estes motins têm a mesma característica:
a polícia aparece com a imagem de ser injusta." Novo será a forma como
as redes sociais e os telemóveis estão a ser usados para mobilizar
mais pessoas mais rapidamente, tornando o controlo da situação mais
difícil. "Nos anos 1980, os que foram presos eram sobretudo locais.
Será interessante ver se é esse o caso agora."

Um problema geracional

As relações tensas chegam a um ponto de ebulição tal que o resultado
são ruas a arder. Apesar de achar que a comunicação melhorou em 30
anos, os negros ainda são mais parados pela polícia e associados à
criminalidade, analisa o especialista. Mas as motivações serão
diferentes para os jovens que rapidamente se mobilizaram: "Alguns
serão motivados pela raiva, outros estão apenas nas ruas e respondem
imediatamente, outros irão apenas para assaltar as lojas."

Para Liz Fekete, é cedo para tirar conclusões, mas a especialista em
relações raciais vê os motins, desencadeados sobretudo por jovens,
como o reflexo do problema de uma geração. "É uma questão racial
também ligada às altas taxas de desemprego jovem, a um sentido de
alienação e pobreza, em que os jovens sentem que não têm um lugar na
sociedade. Mas é definitivamente um problema geracional."

No Reino Unido, um em cada cinco jovens entre os 16 e 24 anos está
desempregado. Desdobrando os números, segundo dados do director do
Runnymede Trust, Rob Berkeley, isto significa que a taxa de desemprego
entre jovens é de 20% na comunidade branca e 50% na comunidade negra.

"É óbvio que há uma ligação entre o desemprego jovem e actividades
criminais", diz Matt Grist, do think tank Demos. Mas Grist recusa
explicar os motins com as taxas de desemprego. O analista, que
participou na publicação de um estudo sobre desemprego jovem,
acrescenta que o alargamento do ensino obrigatório dos 16 para os 19
anos é positivo para a sociedade, mas deixou um problema por resolver:
"Há 15 anos muitos dos que tinham 16 anos trabalhavam, agora quase
ninguém o faz. O sistema mantém as pessoas mais tempo na escola, e o
que acontece é que aqueles que não têm sucesso desligam. E não há
alternativas para esses. É preciso mais imaginação para pensar em
actividades que desenvolvam as suas capacidades." Há ainda outro
factor que explica o que aconteceu, tão simples como ser Verão: não há
escola e muitos não têm nada que fazer a não ser arrastarem-se de
esquina em esquina. Sobretudo depois das restrições orçamentais aos
clubes de jovens: no borough de Haringey, onde fica Tottenham, tiveram
um corte de 75%, revelava o Guardian. Neste ano em que o Governo
conservador de David Cameron anunciou os maiores cortes desde 1945,
todos os dias há notícias de mais serviços públicos que fecham. Ontem,
foi noticiado que o Governo ia cortar três mil milhões de libras (3,4
mil milhões de euros) de apoio às instituições de caridade - e muitas
fazem trabalho com jovens. Os subsídios de incentivo aos jovens entre
os 16 e os 19 anos para se manterem a estudar também sofreram cortes.
Ed Cox, do Institute for Public Poliy Research, lembra isto mesmo.
"Estando nas ruas, os jovens tornam-se mais vulneráveis."

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