sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Oriente Médio

A geração mais brilhante está condenada

São os mais preparados e saudáveis de sua história, mas também os mais frustrados. Cem milhões de jovens do Oriente Médio estão condenados à falta de emprego, à imigração ou ao extremismo islâmico

Ángeles Espinosa

Amir e Nazarin estão esperando para se casar desde que foram prometidos em julho de 2007. "Com o meu salário de encarregado de uma loja de sapatos é impossível encontrar um apartamento em Teerã", queixa-se Amir, de 26 anos, apesar de considerar-se afortunado por ter um emprego. Outros jovens de sua idade sequer podem programar um casamento. Esse é o caso de Wael, um egípcio técnico em turismo, que a ponto de completar 27 anos não conseguiu um trabalho estável que lhe permita pensar no futuro. Desemprego e subemprego são um tormento para 100 milhões de jovens no Oriente Médio e no norte da África, cuja frustração só pode aumentar a pressão migratória sobre a Europa ou, no pior dos casos, empurrá-los para os braços do extremismo islâmico.

Eles constituem 30% dos habitantes da região, e não só se trata do maior número de jovens (entre 15 e 29 anos) de sua história, como também da geração mais instruída e saudável. Mesmo assim, suas possibilidades estão bem distantes de suas expectativas. Frente a uma média de desemprego juvenil de 14% no mundo, no Oriente Médio esta se eleva para os 26%, a mais alta de todas as regiões. E a pressão só pode crescer. Enquanto na maioria dos países europeus os menores de 15 anos apenas chegam a 20%, no Irã são 32%, no Egito 35% e na Arábia Saudita 39%. O Banco Mundial calcula que a região necessita criar 100 milhões de empregos daqui até 2020 para estabilizar esse desequilíbrio.

"Sem dúvida o pano de fundo demográfico exacerba a situação, mas o principal problema é que a região está evoluindo de economias protecionistas para economias de mercado", explica Ragui Assad, diretor regional do Population Council, uma ONG dedicada ao desenvolvimento humano. Como conseqüência, o Estado já não pode garantir o trabalho no setor público, que é a porta de entrada para a classe média.

"Até agora, todos iam à universidade e isso garantia um emprego na administração pública, mas o governo deixou de fornecer postos de trabalho", constata Abdel Monem Emara, ex-ministro egípcio da Juventude na década dos 1990. É por isso que os jovens se queixam de não encontrar trabalho, ou se o encontram, de que o salário é muito baixo. "Não podem decidir quanto ao futuro", diz Emara, agora diretor da Fundação Agentes da Mudança, dedicada à formação dos jovens.

"Não tenho nenhuma perspectiva para meu futuro", admite Parastoo, um iraniano de 26 anos, desempregado. "Talvez não seja muito grave estar sem emprego durante dois ou três meses, mas não está claro quanto vai durar essa situação e isso me assusta."

"A região não está investindo de forma adequada em seu ativo mais importante: sua gente", denunciou o xeque Mohamend Bin Isa al Jalifa, diretor geral do Conselho de Desenvolvimento econômico de Bahrein, em um recente debate no Fórum Econômico Mundial. E, na verdade, o Oriente Médio destina 5% de seu produto interno bruto à educação, frente aos 3% de outras regiões como o Leste da Ásia ou a América Latina.

O ex-ministro egípcio aponta para dois problemas. De uma parte, embora a educação básica tenha se tornado universal, nas classes mais modestas, "muitas crianças abandonam a escola para ajudar os pais, cujos salários não lhes permitem manter as famílias". Isso não acontece na classe média, "mas os que permanecem no sistema educacional público, não aprendem a pensarem por si mesmos e lhes faltam capacitação para comunicação, gestão e tomada de decisões".

"Não temos nem preparo nem meios para sair dessa situação. Não podemos encontrar nosso lugar", queixa-se Zina, estudante de comércio na Universidade do Cairo, de 24 anos.

"Os jovens de hoje estão muito mais instruídos que nunca e no entanto valem menos (no mercado de trabalho)", afirma Ragui. Isso leva à frustração e a um estado de transição interminável. Razão pela qual eles passam dos 21 aos 30 anos à espera de poder assumir o papel de adultos, alguns até mais tarde.

Um dos indicadores que mais preocupa os analistas é o adiamento na idade média do casamento. Há uma década, 63% dos homens estavam casados antes dos 30 anos. Hoje, o número chega a apenas 50%. E no caso do Irã fica nos 38%. Cifras, todas elas, muito abaixo da média da Ásia (77%), América Latina (69%) ou África (66%).

Esse fenômeno não é exclusivo do Oriente Médio. E na verdade, nessas sociedades adquire uma dimensão muito mais dramática. Diferentemente da Europa ou dos Estados Unidos, aqui o casamento é a única chave de entrada na idade adulta e, além disso, as relações pré-matrimoniais são proibidas.

"Estão proliferando os acordos não tradicionais, como o casamento urfi no Egito ou a sighe no Irã (o primeiro não é registrado e o segundo tem uma duração pré-estabelecida), a prostituição e a pornografia", disse Ragui. Embora tais temas ainda continuem tabu em muitos países, pouco a pouco estão chegando aos meios de comunicação. Isso dá idéia da preocupação que geram.

Os sociólogos constatam um crescente abismo entre o que se considera aceitável e o que realmente acontece. "Age-se às escondidas", admitem numerosos rapazes e moças, entrevistados no Irã e no Egito. "Eles continuam sendo educados de forma tradicional, com costumes e valores nos quais não acreditam. Faltam espaços para que se reúnam e a independência para comunicar-se sem o controle da sociedade", declara a documentarista e ativista social Hala Gala.

"Os jovens não conseguem responder às exigências sociais e essa tensão se transfere às relações com os pais, em especial com as filhas", adverte Hosein Ghazian, um sociólogo iraniano crítico em relação às políticas oficiais.

Nem mesmo o recente boom econômico, promovido pela liberalização e pelos altos preços do petróleo, os ajuda. Mesmo que com um crescimento médio anual superior a 5%, a região esteja reduzindo suas taxas de desemprego, a maioria dos novos empregos são criados no florescente setor da construção civil (repleto de imigrantes) ou são trabalhos temporários, mal pagos e que não permitem a mobilidade social. "Isso não é suficiente para apresentar-se como um noivo respeitável", lembra Ragui.

Além disso, não se trata apenas da dificuldade de encontrar trabalho estável. Também ocorreram mudanças no estilo de vida que complicam o problema. O acesso das mulheres à educação faz com que a maioria se recuse a viver com a família do marido, como era tradicional. Prover o teto comum é uma responsabilidade que recai sobre o noivo. Com os preços atuais da moradia, essa se transforma numa tarefa titânica, inclusive se apenas se deseja alugar um imóvel. Além disso, dado o caráter assimétrico do casamento islâmico, as famílias das moças tratam de protegê-las de um possível repúdio, pedindo dotes milionários.

"Por um apartamento de 60 metros quadrados, pede-se 50 milhões de rials e outros quatro de renda mensal", queixa-se Amir, que ganha o equivalente a 200 euros (aproximadamente R$ 504) por mês. "No mínimo custa 18 milhões de rials por metro quadrado, mas quando consigo economizar, o preço já se multiplicou por dois ou por três. Se a família não pode ajudar, ficamos solteiros", conclui.

E dado o papel central do casamento no Oriente Médio, os solteiros vão ficando sem oportunidades sociais e econômicas. Não é nem preciso ser muito inteligente para perceber que estamos diante de uma bomba-relógio. Desde o 11 de setembro, numerosos analistas advertiram que o crescente mal-estar e frustração entre os jovens do Oriente Médio constituem um caldo de cultura favorável ao radicalismo islâmico e, eventualmente, ao terrorismo.

"A volta à religião constitui-se numa nova forma de libertação", diz o padre Williams, um jesuíta egípcio que trabalha com meninos de rua e que viu o avanço dos Irmãos Muçulmanos em seu país. "Aqueles que não têm a capacidade de refletir, podem adotar o suicídio", admite, embora em sua opinião, "depois do ocorrido no Iraque também há vozes que começam a criticar a manipulação do islamismo".

"É claramente um fator de risco", admite Ragui. "Embora não seja automático, alguns jovens com subempregos caíram nas redes dos grupos extremistas. Mas não há dados conclusivos. Pela sua própria natureza, não conseguimos colher dados sobre sua composição. Agora, quando perguntamos o que é mais importante em suas vidas, um número cada vez maior responde que a religião. Devemos, portanto oferecer-lhes atividades significativas e valiosas que, se não rendem grandes salários, ao menos proporcionam preparo e respeito", sugere o diretor do Population Council.

À falta dessa alternativa, muitos jovens estão optando pela imigração, o que só pode aumentar a pressão sobre a Europa, a fronteira mais próxima. O caso do Egito é significativo. Com 40 de seus 77 milhões de habitantes com menos de 35 anos, oito milhões inscreveram-se em 2006 no sorteio para obter uma permissão de residência nos Estados Unidos. O que é mais preocupante: no ano passado vinte jovens morreram afogados quando tentavam alcançar de forma ilegal as costas da Itália e da Grécia, uma rota de fuga que até agora se limitava ao Magreb.

No Irã, o segundo país mais populoso da região, com 70 milhões de habitantes, 25,6% dos jovens estão desempregados e o dado alcança 28,95% nas zonas urbanas, segundo dados do Centro de Estatísticas (oficial). Não há informações sobre o número de jovens que desejam imigrar, mas as embaixadas ocidentais recebem muito mais pedidos do que podem processar. O risco de radicalização é, porém, menor. "Como aqui temos um governo islamita que se converteu em um exemplo indesejável, os jovens raciocinam no sentido contrário", aponta Ghazian.

"Os jovens não têm um problema, nós somos o problema", assegura o ex-ministro egípcio Emara. Na verdade, a maioria dos pesquisados vêm seu futuro como sombrio. E tal como adverte Mohamed al Abbar, dono da Emaar Properties (uma das principais fontes de emprego no Oriente Médio), "se a região não é capaz de desenvolver seus enormes recursos humanos, enfrentaremos um futuro de insatisfação, mal-estar e declínio econômico". Por esse motivo, como assinala o ex-presidente do Banco Mundial,James Wolfenshon, "nenhuma outra tarefa é mais urgente na região que dar esperança aos seus cem milhões de jovens".

Tradução: Claudia Dall'Antonia


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