quinta-feira, 10 de maio de 2007

A diversificação religiosa e a fuga da Igreja Católica

A diversificação religiosa e a fuga da Igreja Católica

Leandro Meireles Pinto, repórter Último Segundo

SÃO PAULO – O Brasil se prepara para receber o papa Bento 16 em um momento em que a Igreja Católica registra a menor porcentagem de fiéis em relação ao total da população. Ainda que o Brasil seja considerado o maior país católico do mundo, os últimos levantamentos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam uma queda da porcentagem de católicos e destacam o crescimento de evangélicos e pessoas que declararam não ter religião alguma no País.

Em 1980, os católicos representavam 89,2% da população. No ano 2000, quando foi realizado o último censo do IBGE, apenas 73,8% dos brasileiros se declararam fiéis ao catolicismo. Já o percentual de evangélicos aumentou de 6,7% da população, em 1980, para 15,4%, em 2000.

De acordo com a socióloga e professora da UFRJ, Sílvia Fernandes, entre os fatores que explicam a queda proporcional do número de católicos, o principal é a intensificação do pluralismo. “Aumentou a oferta de igrejas e grupos religiosos recrutando fiéis, especialmente por meio de um discurso mais emocional, que vem de encontro às demandas subjetivas dos fiéis”, afirma. Segundo Sílvia, algumas igrejas de corte pentecostal sensibilizam a população em função da oferta de prosperidade, “mas esse elemento não atrai por si só. A dimensão do acolhimento, da emoção e de uma postura de grande inclusão afetiva dos fiéis são o que mais atraem os antigos católicos”, completa.

A urbanização acelerada desde a década de 80 até os dias atuais, segundo o teólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Fernando Altemeyer, também contribuiu para a diversificação religiosa no País. “Na cidade, as alternativas religiosas são múltiplas e o catolicismo perdeu a hegemonia que tinha no campo rural”, afirma. “Além disso, a presença firme e combativa dos novos grupos pentecostais, como a Universal e a Renascer, aparece como um sujeito importante e histórico nas grandes cidades”, diz.

O cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Cesar Romero Jacob, acrescenta ainda que “com as correntes migratórias, a pessoa é conquistada pelas novas religiões. Ela chega às periferias das grandes cidades e não encontra mais o suporte da Igreja Católica”,

Periferia e áreas nobres

Co-autor do “Atlas de Filiação Religiosa e Indicadores Sociais no Brasil”, Jacob defende que as igrejas evangélicas foram mais ágeis ao se instalarem nas periferias e conseguiram conquistar os migrantes que chegavam com poucos recursos aos grandes centros urbanos. “O elemento de acolhimento foi muito importante nos ‘cinturões de miséria’ das grandes cidades”, afirma.

Dados do “Atlas de Filiação Religiosa” mostram que a concentração de católicos continua alta – cerca de 80% - nas regiões de maior renda e escolaridade das capitais. “Não há propensão ao abandono do catolicismo nos bairros mais nobres, até porque a estrutura católica está montada nesses bairros”, afirma Jacob. Segundo o cientista político, as próprias escolas e universidades católicas, além das igrejas, ajudam a manter o índice de fiéis nestes bairros. (veja mapa)

Na periferia das grandes cidades, no entanto, a situação se inverte. Os bairros de pior renda e baixa escolaridade apresentam um índice maior do que a média de evangélicos e pessoas que declaram não ter religião. “A periferia cresce em uma velocidade que a Igreja Católica não conseguiu acompanhar. Os evangélicos, com o comando descentralizado, conseguiram atuar mais rapidamente nesses locais”, afirma Jacob. (veja mapa)

Para o teólogo Fernando Altemeyer, a Igreja Católica está “correndo atrás do prejuízo”. “Os quadros da Igreja se reproduzem vagarosamente, porque ela está muito centrada na figura do padre, que precisa de sete ou oito anos para se formar. Assim, a renovação fica muito lenta se comparada com as outras religiões”, diz.

Falta de fiéis

Além de ter perdido fiéis para outras religiões, a Igreja Católica sofre ainda com a baixa participação de seus seguidores. “Há mais católicos do que evangélicos em todos os centros urbanos, mas as pesquisas do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris) mostram que, de fato, os evangélicos são mais assíduos em sua religião”, afirma a professora Sílvia Fernandes.

Segundo a pesquisadora, no catolicismo, aqueles que vão à missa semanalmente totalizam apenas 22,1% dos fiéis. Os que vão duas ou mais vezes por semana à Igreja, não necessariamente à missa, totalizam 10,4%. Apenas 7,6% dos católicos freqüentam a missa mais de uma vez por semana. Os evangélicos, por outro lado, costumam ir à igreja duas ou mais vezes por semana. “Os de corte pentecostal são ainda mais assíduos, pois 68% freqüentam duas ou mais vezes por semana”, afirma. De acordo com Sílvia Fernandes, essa presença causa a impressão de que há mais evangélicos do que católicos nas grandes cidades.

Os “sem religião”

Outro fenômeno observado nos últimos três levantamentos realizados pelo IBGE é a disparada no número de pessoas que afirmaram não pertencer a nenhum tipo de religião. Em 1980, apenas 1,6% da população dizia não ter religião. Em 2000, ano da última pesquisa do instituto, 7,3%, ou 12,5 milhões de pessoas declararam ser “sem religião”. Assim, esta categoria ocupa o terceiro lugar no Brasil, atrás apenas das religiões católica e evangélica.

Segundo o perfil demográfico, compilado pelo IBGE, o número de pessoas “sem religião” aumentou fundamentalmente entre adolescentes, de 16 a 20 anos, e jovens adultos, de 21 a 30 anos, que abrangem todos os grupos de “raça ou cor”, com exceção dos brancos.

“No Brasil, especialmente onde a sensibilidade religiosa é muito forte, a pessoa não quer mais ser comandada por um guru, um padre ou um pastor, especialmente a juventude”, afirma o professor Altemeyer. Segundo ele, o processo de abandono de grupos religiosos é muito grande, mas não só no catolicismo. “É um fenômeno mais global e abrange as religiões como um todo”, diz.

Para a professora da UFRJ, Sílvia Fernandes, vale ressaltar, porém, que o número de pessoas sem religião aumentou, mas não significa que o número de ateus ou pessoas que não acreditam em absolutamente nada seja maior. Ela destaca que, mais do que o crescimento do ateísmo, trata-se de um enfraquecimento das instituições religiosas. “A maioria dos ‘sem religião’ é composta por indivíduos que possuem religiosidade, fazem orações, muitos pautam suas vidas em crenças cristãs e poucos são os que não crêem em Deus”, afirma.

A queda tem volta?

Com o avanço das igrejas evangélicas e o aumento do número de pessoas que preferem não pertencer à religião alguma, a pergunta que fica é se a visita do papa e a canonização do Frei Galvão podem dar animo aos fiéis e aumentar o rebanho dos católicos.

“Mais do que reunir e rezar uma missa para 100, 200 mil pessoas, o maior desafio da visita do papa é levar uma mensagem da Igreja Católica para as periferias”, afirma Jacob, acrescentando que a visita do papa não deve reverter o quadro de queda. “O papa João Paulo 2º, que era muito mais carismático, veio ao Brasil três vezes desde a década de 80 e isso não impediu que a Igreja tivesse perdido 15% dos fiéis neste período”, afirma.

“A figura do papa sempre sensibiliza a população brasileira, mas não creio que reverta o processo de ‘descatolização’, já que a Igreja mantém posições rígidas no campo da doutrina moral” afirma a professora Sílvia Fernandes. “Não é o papa ou o Edir Macedo ou a Sônia Hernandes que faz a pessoa se converter. É claro que o carisma influencia, mas não é isso que motiva as pessoas a estarem na igreja”, finaliza Altemeyer.


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