sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Migrações no Brasil Atual

Folha de São Paulo, 13/06/10:


Colheitas atraem 1 milhão de boias-frias

Lavradores migram para centro-sul por safras de café, laranja e canaFracassam programas para garantir direitos trabalhistas a retirante; maioria deixa Nordeste em ônibus clandestinos

ELVIRA LOBATO, ENVIADA ESPECIAL AOMARANHÃO E AO SUL DE MINAS
Com o início das safras de café, da cana-de-açúcar, da laranja e de outras culturas menos tradicionais, como o morango, perto de 1 milhão de trabalhadores rurais buscam emprego temporário fora de seus Estados.Como aves de arribação, saem com destino fixo e retornam para casa após o término da safra, para refazer a rota no ano seguinte. A maioria vem da agricultura familiar e busca um complemento de renda.
A movimentação acontece longe dos olhos do governo, que não tem estatísticas sobre a migração temporária no campo. A inexistência de dados oficiais evidencia a falta de políticas públicas para enfrentar o problema.No ano passado, o governo federal tentou instituir a intermediação pública na contratação dos trabalhadores rurais, via Sine (Sistema Nacional de Emprego), em parceria com os Estados.
O projeto, chamado Marco Zero, foi implantado como experiência-piloto em Maranhão, Piauí, Pará, Mato Grosso e Minas Gerais. O resultado, até agora, é irrelevante.SEM CARTEIRA
Também fracassou a tentativa de exigir que a mão de obra rural saísse de sua área de origem com a carteira já assinada.
A instrução normativa 76/ 2009, do Ministério do Trabalho, criou a Certidão Declaratória de Transporte de Trabalhadores (CDTT). Em tese, os migrantes rurais não poderiam deixar o local de origem sem o documento com identificação do contratante e o salário.
O ministério admite que pelo menos 90% dos trabalhadores rurais temporários saem sem carteira assinada. A formalização só acontece quando chegam ao destino.
Na maior parte dos casos eles são transportados em ônibus clandestinos, que circulam pelas rodovias federais e estaduais como se levassem turistas.
O governo reconhece sua dificuldade em mapear o trabalho rural temporário. Alega que os dois lados preferem a informalidade.
O próprio trabalhador resiste em colaborar, por medo de que a fiscalização lhe tire a oportunidade de trabalho. O mesmo acontece com os produtores rurais, que consideram abusiva a legislação trabalhista.REDE INFORMAL
A superintendente do Ministério do Trabalho no Piauí, Paula Maria Masullo, calcula que 40 mil trabalhadores rurais deixem o Estado, anualmente, principalmente para o corte de cana em São Paulo.
""Quando o trabalhador sai por iniciativa própria, não há o que fazer. Eles têm o direito de ir e vir", diz.
Segundo o padre Antônio Garcia Peres, secretário-executivo nacional da Pastoral do Migrante, há uma rede informal de comunicação entre os trabalhadores. Peres acompanha o fenômeno há mais de 20 anos.
""Um arrasta o outro. Os que ficam esperam o sinal positivo dos que foram para também embarcar. É uma revoada. Os governos não se importam se o deslocamento cria rompimentos familiares e enfraquece os projetos locais", afirma.


Safra no Sudeste esvazia cidade no Maranhão

DA ENVIADA AO MARANHÃO

Todos os anos, a partir de março, começa a revoada de agricultores da cidade de Timbiras rumo ao interior de São Paulo. Ela provoca até a diminuição do total de alunos da rede pública, porque muitos pais levam os filhos.
A Unidade de Ensino Fundamental Manoel Burgo, na periferia de Timbiras, perdeu 35 alunos, de um total de 390 inscritos no início do ano letivo. Segundo a diretora-geral da escola, Francisca Oliveira Almeida, ficam no município de 26 mil habitantes sobretudo mulheres e crianças.
O principal destino dos que deixam Timbiras é Pradópolis, no interior de SP. As mulheres, quando questionadas sobre onde estão os maridos e filhos ausentes, respondem: ""Pradopi".
""Aqui a chance de ganhar dinheiro é nenhuma. O que plantamos mal dá para sobreviver", diz Cleane Araujo Dutra, 35. Seu marido está em Pradópolis. A moto, adquirida no ano passado, fica exposta na sala da casa.
Francisca Ferreira de Souza, 21, agricultora, viu o marido partir dois dias depois do nascimento do primeiro filho do casal, em fevereiro.
Os trabalhadores rurais vão em ônibus fretados por falsas agências de turismo. A mais conhecida em Timbiras é a de Antônio Grosso, que foi pego recentemente pela fiscalização do Ministério do Trabalho e acusado de intermediar mão de obra. ""Só vendo passagens", nega ele.
Enquanto falava com a reportagem, o agricultor Valdeci da Silva Rocha, 50, pai de 11 filhos (três deles em Pradópolis), comprou passagem para a nora, Rosilda Pinho Rocha, 23. (EL)


Produção de morango define a remuneração

DA ENVIADA AO SUL DE MINAS

A produção de morango, que vai de maio a novembro, atrai para o sul de Minas trabalhadores rurais do Tocantins e do Maranhão.
Os municípios de Pouso Alegre, Bom Repouso e Estiva produzem cerca de 57 mil toneladas de morango por ano e concentram 73% da produção estadual. A maior parte dos trabalhadores vem de Buritirama (MA) e Praia Norte (TO).
É a segunda vez que o tocantinense Jairo de Oliveira e Silva, 19, faz a rota, incentivado por um amigo. Diz que ganhava R$ 200 por mês roçando pasto e tira R$ 30 por dia com o morango.
Os produtores assinam a carteira, indicando pagamento de salário mínimo, por medo da fiscalização do Ministério do Trabalho, mas a remuneração total só é definida no final da safra.
Grupos de trabalhadores se juntam para alugar casas. Os que estão em alojamentos do empregador arcam com a alimentação e compram mantimentos fiado, para pagar no final da safra.
Os solteiros sonham em acumular dinheiro para comprar uma moto quando voltarem para suas terras, enquanto os casados esperam poder adquirir eletrodomésticos ou reformar a casa.
O maranhense Antônio Ferreira, 28, diz que é difícil arranjar namorada sem moto. Ele quer poupar R$ 4.000.
Edimilson Leão, 41, analfabeto, chegou em março, também do Maranhão, e cogita retornar para casa em outubro. Deixou a mulher cuidando da roça de milho e feijão. ""Não sei como a mulher vai se virar, porque o acerto é para pagamento no final da safra", diz ele. (EL)

Agricultura depende de migrante rural

Segundo produtores, não há mão de obra local suficiente; colheita de laranja paga em média R$ 800 por mês
Governos de SP e MG prometem acabar com corte manual de cana até 2017; café emprega 800 mil migrantes DA ENVIADA AO MARANHÃO E AO SUL DE MINAS

Sem o migrante rural temporário não seria possível a colheita simultânea do café, da laranja e o corte da cana no centro-sul, dizem os produtores, porque não haveria oferta local suficiente.
A colheita do café começou em maio e, segundo estimativa do presidente do Conselho Nacional do Café, Gilson Ximenes, ocupará cerca de 800 mil trabalhadores oriundos de outros Estados. É, de longe, o setor que mais emprega mão de obra rural temporária.
A colheita se estende até setembro. Minas responde por metade da produção nacional, que neste ano deve chegar a 50 milhões de sacas, e atrai não só trabalhadores das áreas pobres do próprio Estado (vales do Jequitinhonha e do Mucuri) e do Nordeste, como do rico Paraná.
A oferta de boias-frias pelo Paraná se explica pelo histórico da atividade cafeeira no Estado, que foi o maior produtor até meados dos anos 70. Após a grande geada de 1975, houve uma política de erradicação de cafezais no Estado; a produção migrou para outros Estados, como Minas e Bahia, mas a tradição se manteve entre os trabalhadores.
Terra Roxa, no oeste paranaense, é um exemplo. Desde 2005, a prefeitura organiza a ida de trabalhadores para o Triângulo Mineiro; paga metade do custo do transporte e o fazendeiro, a outra metade.CANA
A safra da cana no centro-sul vai de abril a novembro. São Paulo empregará 140 mil pessoas nesta safra. Segundo a Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar), 56 mil vêm de outros Estados.
É o trabalho rural mais árduo. Os governos de São Paulo e de Minas Gerais prometeram erradicar o corte manual até 2017, o que vai criar um novo desafio para as regiões fornecedoras da mão de obra rural: o desemprego.LARANJA
A colheita da laranja acontece de maio a dezembro e ocupa a mão de obra que não foi absorvida pela cana. São Paulo concentra 80% da produção nacional. Itápolis (a 330 km da capital paulista) é o maior produtor mundial da fruta e recebe cerca de 1.500 trabalhadores de Pernambuco, Piauí e Alagoas.
Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais local, Avelino Cunha, 70% dos trabalhadores não têm carteira assinada e ganham por produção, o que dá uma remuneração média de R$ 800 por mês. Ainda é forte a atuação de intermediários na contratação.
O presidente da Associtrus (Associação Brasileira dos Citricultores), Flávio Viegas, calcula que 15 mil trabalhadores rurais saem de outros Estados para a colheita.
Segundo ele, o setor passa por redução dos pequenos e médios produtores e concentração em grandes empresas. O número de produtores baixou de 30 mil para 8.000 nos últimos 15 anos.

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